domingo, 10 de março de 2013

O país da cocanha


Escute agora quem está aqui.
Todos devem ser meus amigos
E me honrar como seu pai,
Pois é correto e lógico que apareça

A grande sabedoria que Deus me deu,
Antes de contar
O que vocês escutarão ee
Muito os alegrará.

Não tenho muita idade, mas
Nem por isso sou menos sábio.
Uma coisa vocês devem saber:
Barba grande não significa sabedoria;

 Se os barbados fossem sábios,
Bodes e cabras também o seriam.
Não valorizem a barba,
Pois muitos a tem grande, mas a inteligência pequena:

O jovem é muito sensato.
Ao apóstolo de Roma
Fui pedir penitência,
Ele me enviou a uma terra

Onde vi muitas maravilhas:
Agora ouçam como são
Os habitantes daquele país.
Creio que Deus e todos seus santos

Abençoaram-na e sangraram-na mais
Que qualquer outra região.
O nome do país Cocanha;
Lá, quem mais dorme mais ganha:

Quem dorme até ao meio-dia
Ganha cinco soldos e meio.
De barbos, salmões e sáveis
São os muros de todas as casas;

Os caibros lá são esturjões,
Os telhados de toicinho, 
As cercas são de salsichas.
Existe muito mais naquele terra de delícias,

Pois de caren assada e presunto
São cercados os campos de trigo;
Pelas ruas vão se assando
Gordos gansos que giram

Sozinhos, regados
Com branco molho de alho.
Digo ainda a vocês que por toda parte,
Pelos caminhos e pelas ruas,

Encontram-se mesas postas
Com toalhas brancas,
Onde se pode beber e comer
Tudo o que se quiser sem problema;

Sem oposição e sem proibição
Cada um pega tudo o que seu coração deseja,
Uns, peixe, outros, carne;
Se alguém quer carne

Basta pegar a seu bel-prazer;
Carne de cervo ou de ave,
Assada ou ensopada,
Sem pagar nada

Mesmo após a refeição.
É assim nesse país.
É pura e comprovada verdade
Que na terra abençoada

Corre um riacho de vinho.
As canecas aproximam-se dali por sós,
Assim os copos
E as taças de ouro e prata.

Este riacho do qual falo
É metade de vinho tinto,
Do melhor que se pode achar
Em Beaune ou no além-mar;
A outra parte é de vinho branco,
Melhor e mais fino
Que o produzido em Auxerre,
La Rochelle ou Tonnerre.

Quem  quiser é só chegar,
Pegar pelo meio ou pelas margens,
E beber em qualquer lugar
Sem oposição e sem medo,

Sem pagar sequer uma moeda.
As pessoas lá não são vis,
São pelo contrário vistuosas e corteses,
Seis semanas tem lá o mês,

Quatro Páscoas tem o ano,
E quatro festas de São João.
Há no ano quatro vindimas,
Feriado e domingo todo dia,

Quatro Todos os Santos, quatro Natais,
Quatro Calendárias anuais,
Quatro Carnavais,
E Quaresma, uma a cada vinte anos,

Quando é agradável jejuar
Pois todos mantém seus bens;
Desde as matinas até depois da nona
Come-os o que Deus dá,

Carne, peixe ou outra coisa.
Ninguém ousa proibir algo.
Não pensem que é piada,
Ninguém, de qualquer condição,

Sofre em jejuar:
Três dias por semana chovem
Pudins quentes
Para cabeludos ou calvos,

Para todos, eu sei porque vi.
Ali pega-se tudo à vontade.
O país é tão rico
Que bolsas cheias de moedas

Estão jogadas pelo chão;
Morabitinos e besantes
Estão por toda parte, inùteis:
Lá ninguem compra nem vende.

As mulheres dali, tão belas,
Maduras e jovens,
Cada qual pega a que lhe convém,
Sem descontentar ninguém.

Cada um satisfaz seu prazer
Como quer e por lazer;
Elas não serão por isso censuaradas,
Serão mesmo muito mais honradas.

E se acontece por ventura
De uma mulher se interessar 
Por um homem,
Ela o pega no meio da rua

E ali satisfaz seu desejo.
Assim uns fazem a felicidade dos outros.
E digo a verdade a vocês,
Nesta terra abençoada

Há tecelões muito corteses,
Pois todo mês distribuem 
De bom gradi e com prazer
Roupas de diversos tipos;


Quem quiser tem roupa de brunete,
De escarlate ou de violete,
Ou de biffe de boa qualidade,
Ou de vert ou de saie escura,

Ou de seda Alexandrina,
De tecido listado ou de chamelin,
O que mais irei contar?
Existem lá tantas roupas

Das quais se pega à vontade,
Umas de cor, outras cinzas,
E, para quem quer, forradas de arminho.
A terra é tão feliz

Que tem sapateiros
Que não considero desprezíveis,
Pois cheios de delicadeza
Distribuem calçados com cadarço,

Botas e botinhas bem feitas;
Quem quiser as terá,
Bem moldadas aos pés.
Se quiser, 300 delas por dia

Ou mesmo mais, obterá:
Tais sapateiros existem lá.
Há ainda outra maravilha,
Vocês jamais ouviram coisa semelhante:

A Fonte da Juventude
Que rejuvenesce as pessoas,
E traz outros benefícios.
Lá não haverá, bem o sei,

Homem tão velho ou tão encanecido,
Nem mulher tão velha que, 
Tendo cãs ou cabelos grisalhos,
Não volte a ter trinta anos de idade,

Se à fonte puder ir;
Lá podem rejuvenescer
Aqueles que moram no país.
Certamente é muito louco e ingênuo

Quem pôde entrar naquela terra
E de lá saiu
Eu mesmo o sei,
Posso entender isso muito bem.

Pois fui louco
Quando lá saí;
Mas meus amigos eu queria
Para aquela terra levar,

Junto comigo, se pudesse.
Mas desde então então não posso lá entrar.
O caminho que seguira,
Nem a trilha, nem a estrada,

Jamais pude encontrar.
E como não posso voltar,
Não tenho como me consolar.
Por isso uma coisa vou lhes dizer:

Se vocês estão bem,
Não mudem por nada,
Senão podem acabar mal.
Pois como ouvi muitas vezes
Em um provérbio,
"Quem esrpa bem não mude,
Pois pouco ganhará";
Eis o que nos ensina o texto.



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